5 de outubro de 2009

Iceberg


Ultimamente sonhos metafisicamente perturbadores têm povoado meus momentos nos braços de Orfeu. Tentei desvendar quais seriam os motivos. Lembrei daquela historinha de que não se deve dormir de barriga cheia, no sentido hiperbólico ou ingerir comida pesada. Pelo contrário. Não tenho feito isso e acho até que essa história deve ser como aquela da manga com leite. Recentemente, descobri que foi feita para impedir que escravos consumissem a nutritiva bebida branca dos brancos. Como são as noites daqueles que adormecem com a barriga vazia e a mente cheia?

Lembrei também que bebidas alcoólicas não são bem vindas, mas não pratico esse hábito. Tenho me alimentado bem, praticado exercício, lazer. Aliás, após anos de dedicação aos estudos esta é a primeira vez, desde que me entendo por gente, que estou conciliando tarefas e lazer. Será que esta perturbação é algum tipo de manifestação pós-traumática desse período? Freud explica, espero que Luciana entenda.

Há poucos dias, perdi um parente próximo que era bastante distante. E esse tipo de distância nenhuma tecnologia de telecomunicação, até mesmo a espiritual dá jeito. Mas tenho que aprender a conviver com as distâncias impostas pela natureza humana. Tenho mantido um perímetro de segurança no qual alguns tipos de pessoas e de pensamentos não entram. Considero isto saudável e até vital, do mesmo modo que um porco espinho não invade o terreno alheio, mas quando visitas indesejadas surgem e insistem em ficar são recebidas e tratadas com muitos espinhos.

Virtual

Hoje me dei conta de que o conceito de virtualidade povoa nossas vidas há muito tempo. Ontem assisti a um trailer do próximo filme do Michael Jackson. E lembrei o quanto ele inovou e emocionou sem tocar ou conversar diretamente com os milhões de pessoas que o admiram ou reconhecem seu talento. Como é possível desenvolver tamanha paixão e admiração por pessoas que têm apenas suas imagens expostas numa tela fria e colorida, acompanhada de sons que não têm nada de natural? Existem sublimes diferenças entre ouvir uma música ao lado de um violão, amplificada ou televisionada. Como também é bastante diferente o trato de uma celebridade com o público e as pessoas que a cercam na intimidade. Penso que a virtualidade da felicidade é a mais difundida nesse aspecto.

Telefonemas e correspondências também são bastante virtuais. Através de sons e letras transportamos muitas emoções – mesmo que virtualmente verdadeiras. Mas ainda há pessoas que, mesmo com toda tecnologia de comunicação disponível, ainda fazem o papel de mensageiras, transmitindo aqueles recadinhos de última hora.

O planeta Terra é imenso, a telecomunicação é necessária, mas um face to face é trilegal. É prazeroso conversar, ouvir e dar risadas, sem falar na quantidade de palavras utilizadas que nem a melhor digitadora do Guiness é capaz de registrar.

Outro dia ouvi um professor questionar se realmente emitimos nossas opiniões. Penso que, atualmente, temos imensa dificuldade em selecionar o que e com quem conversar. E esta escolha não é virtual, é tão concreta que uma análise risco-benefício antecede qualquer inocente bate papo. Por isso admiro crianças e adultos de juventude acumulada. Os primeiros são muito sinceros e assertivos, e todo mundo acha graça, por mais embaraçosas que sejam suas reações e observações. Os segundos costumam resgatar essa assertividade infantil, justificando suas atitudes pelo respeito adquirido com o tempo, ou porque não há mais nada a perder pelo tempo que lhes resta. Como estou no meio do caminho, estou em cima do muro, avaliando, escrevendo, pensando, concretizando, virtualizando...