Tomei uma decisão audaciosa na
vida: resolvi encarar definitivamente as aulas de canto. Atividade comum para
uns, mas uma epopeia para mim, que sempre deixei de lado muita coisa boa para
me dedicar aos estudos e trabalho. Enfim, essa parte da história quem convive
comigo já conhece e dependendo do que já experimentou até aqui vai contar sua
própria versão utilizando verbos no passado, presente ou futuro.
A odisseia se inicia com o
sofrimento desencadeado pelo lado racional de incluir uma atividade supérflua
numa rotina que abrange questões sérias como a realização do Doutorado, as
aulas de Pilates, o projeto com a COPPE e o tempo disponível para o lazer e
para conviver com meus amores. Essas atividades são extra-laborativas, e por
isso são distribuídas de segunda a sexta no período entre 17h e 21h, e aos
sábados e domingos em tempo integral. Minha agenda ainda não está devidamente
organizada para isso, mas estou deixando o Universo atuar.
E nas duas aulas que já fiz,
novamente me deparei com uma lei máxima dessa entidade infinita que é tão clara
quanto as que Newton psicografou para o mundo macroscópico que conhecemos: para
mudar é necessário realizar trabalho que traz uma sensação de desconforto. Bem,
tenho adorado a elegância, tranqüilidade, respeito e exercícios do professor. Os
vocalizes que tenho exercitado às vezes me parecem cânticos nunca ouvidos, pois
já tive a impressão de que estava entoando um lamento indígena através de um
simples ôiôiô. Outras vezes reconheço como trechos de canções que já ouvi. É
porque minha cabeça funciona assim, procurando metáforas e analogias para se
expressar e se divertir.
O instrumento utilizado nas aulas
é um piano, sem cauda, mas com tamanha beleza e imponência. E quando vamos
percorrendo as escalas acompanhadas de encontros vocálicos me deparo com o
desconhecido. Meu canto é uma expressão muito simples do que outros cantam, mas
nas aulas, tenho que ouvir apenas um instrumento. O professor, nesse ponto, se
deliberadamente ou não, me deixa sozinha, me entendendo com aquele novo amigo.
Suas intervenções são mínimas, ele apenas me acompanha na primeira vez, depois,
só eu e meu corpo tentando encontrar uma solução para tal equação. Estou
habituada a referências vocálicas, o instrumento sempre foi secundário, meu
jeito de aprender é olhando um quadro, realizando inúmeras anotações. Nesses
vocalizes é tudo muito abstrato, não vejo notas, não leio nem escrevo, não
tenho um guia, canto diferente, não me reconheço. No final sempre cantamos
alguma canção, mas acho que já estou tão desequilibrada com a reconstrução que
não me sinto à vontade com canções já entranhadas em minha voz. A estranheza e
o desconforto são tão gritantes que nem a afirmação do professor de que minha
voz é do estilo Marisa Monte me fez sentir orgulho ou vontade de contar para
alguém sobre essa descoberta.
Com isso tudo, penso que nenhum
outro momento da minha vida seria melhor para vivenciar esse processo. Não
estou irritada, tenho imensa vontade e alegria de ir às aulas, vou preparar um
novo repertório, vou exercitar pop rock, bossa nova e mpb. Na minha vida,
aprendi a estudar. Conheço bem meu desempenho após uma prova, minhas
limitações, minhas facilidades, pessoas e livros para recorrer. Agora, vou
aprender a cantar. E o cantar samba, que era o objetivo principal dessa
história, vai surgir na hora certa, vai sair saboreado e compreendido como
nunca.
Adorei tudo isso. Saber que vc está nas aulas de canto e toda essa reflexão.Toda essa descoberta.
ResponderExcluirIncrível como somos surpreendentes e não nos conhecemos. Eu, no Pilates, estou descobrindo que tenho músculos que jamais sonhei que existiam.
Vc, no canto, descobrindo e experimentando novas frequências jamais alcançadas.
Como viver é divertido quando estamos aprendendo, não?
Parabéns pelo texto.
Bjs
LK
Olá! Obrigada pelo carinho LK! Realmente é mt bom!!! Descobrir e aprender é uma dinâmica prazerosa! Parabéns pela insistência no Pilates tb!!!!
ResponderExcluirMuito bom amor.
ResponderExcluirMuito bom também saber que está gostando das aulas.
Beijocas
Oi amor! Que bom que gostou do texto! bjs mil
ResponderExcluir